quarta-feira, 3 de março de 2010

O que faz o brasil, Brasil? - Resenha do 1º capítulo

“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio”.

O ÍNDIO – Caetano Veloso



Entender o Brasil – um malabarismo impossível?

Numa leitura imediata da imagem que dá inicio ao capitulo um, da obra ‘O que faz o brasil, Brasil?’ do renomado antropólogo Roberto DaMatta, vemos um “malabarismo impossível”, um homem se contorcendo e ao mesmo tempo demonstrando uma força rara ao suspender com a língua uma cadeira. A reação a esta primeira leitura pode ser diversa, desde sensações nauseantes, curiosas ou até mesmo preteríveis. Mas ao discorrer pelo texto ou mesmo pelo subtítulo (O que faz o Brasil, Brasil? A questão da identidade.), o leitor é tentado a voltar à imagem, e nessa releitura algumas questões ficam em aberto: Quem seria esse homem? Por que estaria equilibrando uma cadeira com a língua? E por que se contorcer tanto pra realizar tal “astúcia”?
O autor principia sua obra explicando seu “enigmático titulo”, mas quanto à imagem deixa a cargo do leitor tal interpretação. Pois bem, tentarei em poucas palavras expressar minhas conclusões embasadas na leitura e interpretação do primeiro capitulo dessa obra somadas à experiências próprias. Uma particularidade do homem da figura é sua cor, percebemos que ele não é branco, pelo tom do seu rabisco o desenhista o faz propositalmente mestiço, e falando-se de Brasil, não poderia ser diferente, a nossa mestiçagem, a mistura de raças é o nosso diferencial, é uma das identidades do brasileiro. Uma alusão à questão racial, que nos acompanha desde o descobrimento da ‘Ilha de Vera Cruz’, iniciando-se no primeiro contato, luso-indígena, progredindo à chegada dos africanos, dos imigrantes europeus e estendendo-se até os dias de hoje. Nada mais apropriado que um “mula-to” para nos recepcionar diante dessa viagem incrível sobre a identidade brasileira, proporcionada pelas verossímeis palavras de DaMatta.
Outra observação relevante é a posição do homem em relação à cadeira, este se encontra no chão com a cadeira acima do seu corpo, equilibrando-a com a língua. Na atual conjuntura, a cadeira pode ser comparada à minoria milionária (políticos, jogadores de futebol, apresentadores de TV...) e o mulato, a maioria pobre (povo). Notadamente existe uma inversão de valores, pois comumente era para o homem está sobre a cadeira não debaixo dela, igualmente incomum é a exploração de uma classe menos privilegiada, embora maioria, sustentando uns “poucos” privilegiados. Numa perspectiva psicológica o povo se utiliza dois princípios, a racionalização, diretamente ligada ao comodismo que faz com que acreditem ser incapazes de reagir e transformar essa situação, e a sublimação, que os faz aceitar a existência de artistas e jogadores com uma renda absurda porque gostariam de estar no seu lugar.  
Vale ressaltar uma característica implícita no contorcionismo do personagem da ilustração, que não passou despercebida pelo antropólogo, o “BRASIL com maiúsculas, que sabe conjugar tão bem, lei com grei”, ou seja, o jeitinho malandro de ser brasileiro. Há quem se orgulhe dessa malandragem, e julgue honesto ficar “em cima do muro”, todavia essa é umas das impulsoras do nosso regresso, e se contorcer entre o certo e o errado já é visto como inerente à nossa cultura, as resultantes dessas “espertezas” são vergonhosas, pelo olhar ético subornar um policial ou participar dum mensalão são equivalentes. 
A identidade brasileira e seus vieses são ricos em detalhes, e nós como brasileiros não podemos despercebê-los. Precisamos nos conhecer e entender o meio a que pertencemos, leituras como “O que faz o brasil, Brasil?” contribuem muito a esse aprendizado, permite-nos construir uma identidade pautada num Brasil que não é mais a vergonha do regime ditatorial, que não está apenas nas estatísticas demográficas e econômicas, nos dados do PIB, PNB ou nos números da renda per capita e da inflação, mas está na comida deliciosa, na música envolvente, na saudade que humaniza o tempo e a morte, e nos amigos que nos permite tudo. DaMatta expõe de forma simples a correlação ‘brasil – Brasil’, e como os dois formam uma realidade única que existe concretamente naquilo que chamamos de “pátria”.

Um comentário:

Aizio N.Figueiredo disse...

Oi Tan,não li o livro, mas parece-me, pelas suas palavras que o autor tenta abordar, de certa forma, alguns avanços conseguidos ao longo dos Séculos.Porem, é fácil notar que os "malditos" resquícios de todo um processo de "missigenação" ainda se fazem presentes em nossa sociedade, e bem à nossa frente... Sucesso!